quarta-feira, 29 de abril de 2015

Dissidente


Dissidente, indo agir de acordo com a voz de sua consciência.
 Dissidente: Dentro de nossa causa, um apóstata, demagogo ou imbecil tomado como alguém integro, sincero e racional por número suficiente de adeptos para ser um problema. Entre os inimigos, individuo justo e clarividente, tachado de traidor, criminoso e mero louco por eles para calar suas justas palavras. Citar dissidentes e críticos internos de nossos adversários os fazem tão partidários nossos quanto de fato eles seriam, se todos eles pudessem enquanto vivos. O dissidente viu a Marca de Caim entre eles e a Arca do Pacto conosco. 

O pandissidente que discordo de nós, nossos adversários e nossos aliados ao mesmo tempo, tem ainda mais credibilidade do que aparenta: pode ter nos visto fazer as coisas mais abomináveis, mas o outro lado lhe fez promessas falsas, o que o torna abominável, traiçoeiro e vil, ou seja, traiçoeiro e vil. A Lança de Longuinho e a cana de vinagre, em última hipótese, são relíquias perdidas, visto que as discordâncias entre nós, ao contrário daquelas entre nossos inimigos, são sempre leais, por motivos sempre elevados, e acabam em boa amizade. 

Termos relacionados: opositor, crítico, adversário, desertor, objetor(consciente ou nem tanto).



O que importa é saberem que você é mau.

Dissidente(2): Quanto ao dissidente cultural que vive preso as normas e clichês do underground, e tendo de conceder a chamar de alienados todos os seus não-admiradores, e de pessoas ''com visão'' todos aqueles os quais não tem como brigar sem passar vergonha de alguma maneira, este autor tem pouco a dizer. Os antigos dissidentes da Jurisprudência e das Ciências podiam ver, mesmo que de forma enevoada, um caminho de progresso a ser seguido, fórmulas e leis para se levantarem no lugar dos detritos e entulhos que tinham de pôr de lado para seguirem em frente. 

Como porém, quase todas as fórmulas da Arte e da Cultura já foram descobertas e testadas a exaustão, inclusive por civilizações há muito enterradas que deixaram como sobras justamente coisas que ninguém tem como criar do zero por falta dos originais, o dissidente que critica o ''espetáculo'' também se tornou um clichê esgotado, por demais hipócrita e insosso até mesmo para ser reciclado como paródia. Um ser que vacila entre o niilismo infantil e o existencialismo vulgarmente politizado, entre o hedonismo cretino e o denuncismo social enviesado e vazio, quando não descaradamente politiqueiro e oportunista, alegadamente antiautoritário, mas, na prática, manipulador e capcioso, o dissidente cultural se tornou um ser entre ignorado e desconsiderado: o pseudo-alternativo desse milênio, quando não tomado como uma espécie de indigente por atenção pessoal, e visto como um neo-yuppie ou hipster depois da gripe. 

O caminho certo poderia ser o que se chamaria de ''pós-dissidência''': buscar servir o público sinceramente, e bem, evitando-se as catarses desmotivadas, o didatismo duro e o fetichismo moral e político, e buscar fazer uma arte que mesmo tempo tenha um bom nível profissional (inclusive no quesito cultural e de produção) seja também profundamente humana. 

 O bom operador cultural precisa ter exatamente as mesmas qualidades do bom garçom: alguém que serve sem que quase se perceba que ele está servindo, porque ele não pensa na gorjeta do fim do jantar, mas serve de maneira que o cliente sinta o quanto é leve vir jantar mais vezes, mesmo que seja caro. Isso é algo que não entra na cabeça do dissidente-padrão pois contrariando os seus dogmas e sua vaidade pessoal, ele diz que fere seus princípios; mas é assim que quem é considerado bom e rentável ao mesmo tempo faz e ele não, se limitando a tentar dizer que roteiros sem propósito, montagem ruim e produção amadora com custos de profissional são ''métodos de arte''. Havendo undergrounds, sub-undergrounds e festivais alternativos para cada ''método de arte'', sempre haverão aquelas ''Cenas'' aonde os poucos que se destacam formam cultos pessoais e são ressentidos pelo resto, que não sai desses lugares porque fora deles não tem popularidade nenhuma além da nula ou negativa que, pelo menos, tem ali. 

Afora isso, quase nenhuma produção séria, estável e continuada, tampouco verdadeiramente original, pois aqueles que o tentam, logo são tachados de ''comerciais''. De alguma forma, o dissidente-padrão considera cópias e imitações de conteúdo estrangeiro algo ''raiz'' e chama de ''independentes'' mesmo quem recebe cachês e ajudas de custo anormais do gabinete de algum deputado, de uma empresa ou associação com precedentes questionáveis ou diretamente em espécie do bicheiro do bairro, porém chama de ''vendidos'' aqueles que buscam meios profissionais de produção e divulgação. 

 O que não parece entrar na cabeça do dissidente é que apenas um vendido que foi bastante comprado tem condições reais de fazer o que acredita, incluindo uma verdadeira experiência do que o público deseja e precisa, e não apenas do que ele acha que ele quer e que ele deveria ser posto para querer, como um mau garçom, que forçado pelo mâitre a se livrar de produtos problemáticos, além de colocar o cliente para comer coisas que ele não gosta e não pode pagar junto com bebidas que não combinam com o que ele tinha em mente, fica gravitando ao redor da mesa para não perder o caixinha no final. Me aprofundar mais neste tema, que já virou um artigo em vez de um simples verbete, exigiria além disso um livro, por isso este dicionarista irá parar por aqui.

Termos relacionados: enfant-terrible, radical chic, poser.





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